Sítio arqueológico - Lapa da Cerra Grande, Matosinhos, Minas Gerais.
Ação
Em agosto de 2013 o Ministério
Público de Minas Gerais (MPMG) propôs Ação Civil Pública (ACP) contra o estado
de Minas Gerais e contra o Instituto Estadual de Florestas (IEF) para que o
Parque Estadual de Cerca Grande, situado no município de Matozinhos, fosse
implantado de fato.
O parque foi criado pelo Decreto 45.398, de 14 de junho de 2010, com
aproximadamente 135 hectares. O mesmo documento autorizou a desapropriação da
área e determinou a implantação da unidade de conservação pelo IEF, com a
criação do Conselho Consultivo no prazo de 180 dias. No entanto, segundo a
ação, apesar das insistentes cobranças do MPMG, os réus ainda não realizaram a
regularização fundiária da unidade de conservação, que também não conta com
gerente e guarda-parques específicos para a área.
Em vistoria realizada no local, no dia 5 de julho de 2013, promotores de
Justiça – acompanhados da Polícia Ambiental, de técnicos do IEF, de arqueóloga
colaboradora do Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e de historiadora do MPMG – constataram diversos danos e ameaças
envolvendo os atributos naturais e culturais da unidade de conservação, entre
os quais se destacam: pichações e vandalismos nos sítios arqueológicos e
espeleológicos; fogueiras na base do paredão rochoso; manchas de sangue e de
pêlos de gado impregnados nos paredões rochosos, além da presença de fezes de
gado na área do parque.
Segundo os promotores de Justiça, “o Parque Estadual de Cerca Grande, até o
momento, não tem seu Plano de Manejo aprovado, nem qualquer estrutura de
visitação implantada, fazendo com que ele não passe, infelizmente, de um mero
‘parque de papel’. Entretanto, desde 2003, existe um Programa de Gestão
Patrimonial do Sítio Arqueológico de Cerca Grande, elaborado criteriosamente
como medida condicionante do licenciamento ambiental de uma empresa mineradora
da região, devidamente aprovado pelos órgãos ambientais e pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que não foi executado pelo
Estado”.
A ACP foi proposta pelos promotores
de Justiça Tatiana Pereira, da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente
e do Patrimônio Cultural de Matozinhos; Carlos Eduardo Ferreira Pinto,
coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente por Bacias
Hidrográficas de Minas Gerais; Mauro da Fonseca Ellovitch, coordenador das
Promotorias de Defesa do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e
Paraopeba), e Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da Promotoria Estadual
de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais.
Pedidos
A ação requereu a concessão de tutela antecipada, com imposição de multa
diária de R$ 50 mil, determinando aos réus, no prazo de noventa dias: a
designação de um gerente e quatro guarda-parques para atuação exclusiva no
Parque Estadual de Cerca Grande; a eleição e posse do Conselho Consultivo do
Parque; a disponibilização de pelo menos dois veículos novos, preferencialmente
tracionados, para realização de vistorias e vigilância.
No mérito, a ACP pediu a condenação dos réus para que: adotem todas as
providências administrativas e/ou judiciais objetivando a regularização
fundiária integral do Parque Estadual de Cerca Grande; elaborem e editem o
Plano de Manejo do Parque, incluindo medidas com a finalidade de promover sua
integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas, assegurada a
ampla participação da população residente, inclusive mediante realização de
audiências públicas; implantem os programas de gestão, conservação, visitação e
preservação dos atributos naturais e culturais; disponibilizem e implantem
infraestrutura integral para o funcionamento efetivo do Parque Estadual de
Cerca Grande.
Relevância
O sítio arqueológico e espeleológico de Cerca Grande foi descrito por Peter
Lund (1801-1880) em um dos seus mais notáveis escritos, o qual evidenciava a
beleza cênica e a exuberância da paisagem cárstica por ele estudada.
Contemplando a Lapa de Cerca Grande, o naturalista dinamarquês afirmou que
julgava ter diante de si “as ruínas de um vetusto palácio de gigantes”. Andreas
Brandt (1792-1862), desenhista norueguês que acompanhou Peter Lund em suas
expedições pela região cárstica de Lagoa Santa, retratou a paisagem do maciço
de Cerca Grande, bem como os trabalhos desenvolvidos no local, por meio de imagens
que se tornaram célebres na iconografia da região.
Em 1962 o Sítio Arqueológico de Cerca Grande foi tombado em nível federal,
constituindo-se, deste modo, no único sítio mineiro a contar com esse tipo de
proteção. Na década de 1970, a Missão Arqueológica Franco-Brasileira
desenvolveu trabalhos na região de Lagoa Santa, prospectando diversas grutas e
abrigos. Durante esses trabalhos, as pinturas rupestres de Cerca Grande foram
reproduzidas em microfichas. Sabe-se que vários esqueletos foram retirados
nas pequenas áreas escavadas da Lapa Mortuária de Cerca Grande. As sepulturas
mais antigas foram encontradas em níveis datados em cerca de 10 mil anos, um
dos mais antigos do Brasil.
Decisão do TJMG
Segundo decisão do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais publicada no último dia 12 de fevereiro, os
Desembargadores Jair Varão, Baía Borges e Albergaria Costa negaram
provimento ao recurso interposto pelo Estado de Minas
Gerais e pelo Instituto Estadual de Florestas e determinaram
medidas para a efetiva implantação do Parque Estadual de Cerca Grande, em
Matozinhos, consistentes em: a) a designação, no prazo de 90 (noventa)
dias, de um gerente e quatro guarda-parques para atuação exclusiva no Parque
Estadual de Cerca Grande; b) a eleição e posse do Conselho Consultivo do Parque
Estadual de Cerca Grande, no prazo de 90 (noventa) dias; c) a disponibilização
ao Parque Estadual de Cerca Grande, no prazo de 90 (noventa) dias, de pelo
menos 02 (dois) veículos novos, preferencialmente tracionados, para realização
de vistorias e vigilância; e d) a remessa bimestral àquele Juízo de todas as
atas do Conselho Gestor, pareceres técnicos, autos de fiscalização e infração,
relatórios e manifestações relacionadas à implantação e/ou funcionamento do
Parque Estadual de Cerca Grande.
Segundo consignou o TJMG:
É dever constitucional do Estado a
definição de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, consoante se extrai do já citado art. 225, §1º, III, CR/88. Não
basta a mera definição, mas sim uma atuação eficiente no sentido de concretizar
a disposição constitucional.
Não é, como alega o recorrente, uma mera faculdade ou uma questão a ser
submetida a seu juízo de oportunidade ou conveniência, sendo certo que "os
juízes e Tribunais não podem demitir-se do gravíssimo encargo de tornar
efetivas as determinações constantes do texto constitucional, inclusive aquelas
fundadas em normas de conteúdo programático" (RTJ 164/158-161, Rel. Min.
CELSO DE MELLO).