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A bióloga Luana Silva e o químico Luciano Emerich em mais uma incursão para investigar as cavernas na região da Serra do Curral |
Engarrafamentos quilométricos, arranha-céus a perder de vista, o cinza do asfalto e o barulho ensurdecedor da metrópole escondem uma Belo Horizonte da era das cavernas. Esse pedaço pouquíssimo conhecido da cidade, que nos remete à formação do universo, está num dos pontos mais visitados da capital mineira, o Parque das Mangabeiras, no bairro de mesmo nome, na Região Sul da capital, mas fora do alcance dos visitantes. Um grupo de pesquisadores vasculhou, por dois anos, a maior área verde de BH atrás de lugares que, para um observador comum, poderiam ser simples buracos e encontrou cinco cavernas, uma delas no Parque Serra do Curral, vizinho ao Mangabeiras.
A descoberta mais recente, este ano, veio acompanhada de um intrigante vestígio: um osso que se assemelha à falange de um dedo humano.
A finalidade do estudo era investigar que tipo de vida habita ali, mas revelou muito mais. Além de achar os chamados troglóbios, espécies que vivem unicamente em cavernas, a equipe, composta por quatro biólogos e um químico, chegou a grutas raras, que não são feitas de rocha, mas de canga, formação geológica rica em ferro. Esse tipo de caverna é encontrado apenas na Serra dos Carajás, no Pará, e no Quadrilátero Ferrífero, na Região Central de Minas. “Ainda não se sabe como acontece o processo de formação das cavernas em canga”, afirma a bióloga Kátia Maciel Lima, justificando a importância de estudar e preservar esses lugares.
O conhecimento dos funcionários do parque sobre a área deu o traçado para o grupo: às vezes, a referência era apenas a existência de um “buracão”. Em vez de buraco, os pesquisadores se viram diante de belas cavernas, que uma das integrantes da equipe, a bióloga Luana da Silva, define como “quaisquer cavidades naturais que ocorrem em rocha ou canga e comportam a passagem humana”. A estimativa é que, numa expedição mais aprofundada, o número de cavernas da área verde, que tem 2,8 milhões de metros quadrados, suba de cinco para 50. Se comprovada a marca, o parque se transformaria em um dos maiores redutos de grutas em Minas. Em Belo Horizonte, essas cavidades moldadas pela natureza estão restritas ao Parque das Mangabeiras e à Mata do Cercadinho, no Bairro Buritis, na Região Oeste.
A maior caverna encontrada pelos pesquisadores, com 18,5 metros de comprimento, já havia sido registrada na década de 1980 na Sociedade Brasileira de Espeleologia. Próximas a ela, duas outras cavernas, de nove e sete metros de comprimento, foram identificadas, além de uma quarta caverna, no Parque Serra do Curral, com 16 metros. A recém-descoberta Gruta do Mirante, com nove metros de comprimento, no Mangabeiras, é a única formada pela rocha dolomito, da mesma família das rochas calcárias, tipos mais comuns no Brasil e que têm como representantes as grutas da Lapinha, em Lagoa Santa, e Rei do Mato, em Sete Lagoas.
Mas, embora seja de tipo mais comum, a Gruta do Mirante não se torna menos interessante. “Ela tem duas claraboias no teto, formando um jogo de luz muito interessante” , afirma o químico e apaixonado por espeleologia Luciano Emerich Faria. Na gruta foi encontrado um osso que se tornou grande incógnita para o grupo, pela semelhança com um osso humano. O material foi coletado e encaminhado para pesquisa. “Ele se assemelha muito à falange humana. Como a caverna tem abertura com o meio externo, fósseis podem ser trazidos até aqui”, afirma Faria, que, apesar de não descartar a possibilidade de homens pré-históricos terem habitado as proximidades, pondera que a conclusão depende de estudos mais aprofundados.
Fonte de pesquisa
Alimento para o imaginário popular, as cavernas são também combustível para a ciência e, só no Parque das Mangabeiras, oferecem material de sobra para pesquisa. Além dos ossos, materiais e seres vivos interessantes foram encontrados, como um pequeno anuro, confundido com a rã. Na estação seca, ele busca abrigo na escuridão e umidade das grutas. As aranhas têm cadeira cativa nesses recantos formados há milhões de anos, entre elas a aranha marrom, muito venenosa. Capaz de sobreviver sem luz, o fungo lignocelulíticos, especialista em decompor madeira, é o prato predileto de besouros e grilos.
Trata-se de um universo milimétrico, que muitas vezes passa despercebido aos olhos e pés de visitantes desavisados. “Isso dá noção da fragilidade das grutas”, alerta Faria. Mas, ao mesmo tempo, um mundo de conhecimento. “Podemos trazer diversas ciências para dentro das cavernas. A geologia vai olhar para as rochas, a arqueologia para os vestígios de ocupação, como as pinturas rupestres. A biologia procura as espécies que vivem nas cavernas”, explica Faria. Diante de tanto a ser descoberto, o alerta dos pesquisadores é para que essas cavernas, fechadas à visitação, continuem bem longe dos passeios turísticos. “Temos que conhecer e preservar. O acesso ao público traria um impacto grande”, afirma Kátia.
Carverna em ameaça
No país, há 7,3 mil cavernas, sendo que mais de um terço delas está no território mineiro. Mas, apesar da comprovada importância das cavernas para a ciência e a história, a legislação brasileira põe em risco a preservação de grande parte dessas formações. A lei classifica as cavernas naturais por quatro critérios de relevância: máximo, alto, médio e baixo. Apenas as de relevância máxima têm proteção garantida, sendo que as demais podem ser destruídas, com autorização do órgão ambiental. “As cavernas sofrem grande pressão das mineradoras, que não têm interesse em preservá-las”, ressalta a geógrafa Manuela Pereira, que acaba de se integrar ao grupo de pesquisadores sobre o assunto no Parque das Mangabeiras, em BH.
Curso
Para interessados em estudar espeleologia, o Centro Universitário UNA vai oferecer o curso de férias Introdução ao estudo de cavernas. As aulas ocorrem na última semana de julho, de terça-feira a domingo. São quatro dias de lições teóricas e, no fim de semana, a turma vai a campo explorar o universo das grutas e cavernas, no Parque Estadual do Sumidouro, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de BH, e no Parque das Mangabeiras, na capital. A matrícula é de R$ 30 e o curso tem valor de R$ 210. Mais informações e inscrições pelo site www.una.br.