29 de janeiro de 2011

O mapa das minas pré-históricas

Sugestão de Adriano Carvalho






Estado tem seu primeiro mapeamento paleontológico, 
feito pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, 
com a localização de fósseis que remontam a até 
1,6 milhão de anos.
Gustavo Werneck
Beto Novaes/EM/D.A Press
Fora do circuito turístico mais explorado, a Gruta do Baú, em
Lagoa Santa, chama a atenção pela exuberância de suas formações 

Um mapa que indica riquezas mais valiosas do que ouro,
destinado à concessão de licenciamento ambiental, pesquisas,
turismo e conhecimento da pré-história. Pela primeira vez, Minas
tem um documento cartográfico com a localização do seu
patrimônio paleontológico, elaborado, a pedido do Ministério
Público Estadual (MPE), pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e
 Energia. Amanhã, ele chega aos principais órgãos encarregados
 de fiscalizar e proteger o acervo composto de fósseis datados de
11 mil a 1,6 bilhão de anos. Conforme especialistas, o território
 mineiro guarda um precioso baú de ossos de animais, entre
eles dinossauros e grandes mamíferos, com espaço ainda
para vegetais, insetos, peixes e anfíbios de grande importância
 para a ciência. No entanto, devido à sua fragilidade, o tesouro
 está sob permanente ameaça da mineração, construção de
rodovias, barragens e aeroportos, loteamentos e outros
empreendimentos de alto impacto.
Depredação começou com a corrida do ouro
Não é de hoje que o patrimônio paleontológico de
Minas sofre destruição e está ameaçado de desaparecer
do mapa. A dilapidação começou ainda no século 18, na
 época da mineração, com os leitos dos rios revirados e
extensos túneis cavados nas rochas em busca de ouro.
Um caso ocorrido na histórica Prados, na Região do
Campo das Vertentes, ilustra bem essa situação, diz o
coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do
Patrimônio Cultural e Turístico/MG (Cppc), Marcos
Paulo de Souza Miranda, que, preocupado com a preservação
dos fósseis, encomendou o inédito Mapa Paleontológico
de Minas Gerais ao Departamento Nacional de
Produção Mineiral (DNPM).

Felipe Barbi Chaves, do 
DNPM, destaca pioneirismo
Por volta de 1785, conta o promotor de Justiça,
 foi encontrado um esqueleto de “56 palmos de 
comprimento e 46 palmos de altura, ao pé do 
Arraial dos Prados”, numa lavra de ouro, sendo 
chamado para identificá-lo o sargento-mor Simão 
Pires Sardinha, considerado hábil naturalista e 
mineralogista, com estudos na Europa. 
“Ao arrancarem os ossos do buraco, com alavanca, 
o ambiente foi danificado. O pior é que os ossos 
foram enviados a Portugal, pelo governador da
 Capitania de Minas, Luís da Cunha Menezes, 
e não se teve mais notícia deles”, lamenta o 
promotor de Justiça. 
O tempo passou e as agressões aos fósseis incrustados em grutas e 
cavernas do estado não pararam mais. Marcos Paulo afirma que, 
recentemente, em Campina Verde, no Triângulo, um rebanho de 
vacas destruiu parcialmente um sítio paleontológico; na duplicação
da BR-040, em Sete Lagoas, a 70 quilômetros da capital, as obras
deixaram um rastro de destruição, fazendo desaparecer vestígios
históricos. 
“Nosso objetivo é proteger essas áreas. Por isso, vamos 
encaminhar o documento aos órgãos encarregados do 
licenciamento e da preservação ambiental e cultural, entre
eles o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama), Superintendência Regional
de Regularização Ambiental (Supram), Instituto Estadual
de Florestas (IEF)/Secretaria de Estado de Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável, Instituto Chico Mendes,
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG),
vinculado à Secretaria de Estado da Cultura”, enumera. 

Pela Constituição Federal, os fósseis são considerados

bens da União e integrantes do patrimônio cultural brasileiro,
ressalta Marcos Paulo, certo de que o mapa representa 
“um primeiro esforço e um avanço” para mostrar todo o 
potencial mineiro, devendo, gradativamente, ser aprimorado
com mais fontes de informação. “É um documento de
referência, para ser consultado a fim de se evitar novos danos”,
afirma o coordenador do Cppc. 

ESTADO NOTÁVEL O mapa foi elaborado, no ano passado,

pela equipe da Divisão de Proteção de Depósitos Fossilíferos 
e Geoprocessamento do DNPM, chefiada pelo geólogo e 
especialista em recursos minerais Felipe Barbi Chaves, que 
trabalha em Brasília. “O Brasil tem ocorrências paleontológicas
notáveis, e Minas, principalmente, é um estado rico e muito 
profícuo. O país está começando, agora, ações sistemáticas para
proteção desse patrimônio”, diz o geólogo, destacando que é 
o primeiro mapa desse tipo elaborado pelo DNPM. O trabalho
contou com informações das universidades federais de Minas
Gerais (UFMG), de Uberlândia (UFU), do Triângulo Mineiro 
(UFTM) e do Rio de Janeiro (UFRJ), do banco de dados do 
Serviço Geológico do Brasil (CPRM), além do próprio DNPM. 
“A ideia é muito boa e queremos estender o serviço para outros
estados interessados”, afirmou. 
No documento, disponível em papel e em meio digital, 
autoridades e pesquisadores vão poder localizar os fósseis, 
caso de restos dos mastodontes, animais que se assemelhavam 
aos elefantes atuais, com tamanho e forma semelhantes; ossos de 
titanossaurídeos ou dinossauros herbívoros; do Uberabasuchus terrificus, 
nome científico de um crocodilomorfo; e mamíferos pleistocênicos, 
que viveram entre 30 mil e 11 mil anos. Quem pensa, no entanto, 
que fósseis são apenas ossos está “historicamente” enganado. 
Há também os troncos de coníferas (semelhantes aos 
pinheiros e araucárias), outros vegetais, insetos, peixes e 
anfíbios. 
Para facilitar a vida dos que trabalham na análise de 

projetos e fiscalização, o documento cartográfico lista 
os sítios de relevância, como Peirópolis, em Uberaba, 
local famoso pelos dinossauros, no Triângulo; as estruturas 
formadas por algas calcárias (estromatólitos colunares), 
em Lagamar, Noroeste de Minas; a região de Arco e Pains, 
no Centro-Oeste, e os vegetais fósseis na Bacia do Rio Fonseca, 
na Região Central. Destaque também para as áreas de 
potencial paleontológico e unidades geológicas, como 
o Grupo Bauru (grupo de rochas), do cretáceo 
superior (entre 100 milhões e 65 milhões de anos), 
com as formações Marília, Uberaba e Adamantina.

Joias em cavernas da Grande BH

Fotos: Beto Novaes/EM/D.A Press
 Ainda é possível encontrar 
fósseis incrustados nas 
rochas de grutas de Lagoa Santa

Paleontologia é a ciência que se ocupa dos fósseis e dos 
registros biológicos com mais de 11 mil anos, indo desde 
pegadas a fezes petrificadas, passando por ossos de animais, 
folhas e outros elementos. Para chegar aos dias de hoje, essas 
joias foram conservadas por meio de mumificação, 
congelamento, âmbar, lagos asfálticos e outros. Em Minas, 
há áreas de destaque, como o Triângulo, a terra dos dinossauros, 
Norte, Noroeste e Sul, além do Vale do Rio das Velhas, 
principalmente a região cárstica de Lagoa Santa, 
na Grande BH, onde o paleontólogo dinamarquês Peter W. Lund, 
conhecido como dr. Lund (1801-1880), viveu mais de 40 anos e, 
por suas pesquisas usadas até por Charles Darwin (1809-1882), 
autor da teoria da evolução das espécies, é considerado o 
“pai da paleontologia brasileira”. Até hoje, dr. Lund é a principal 
referência para estudiosos da paleontologia de mamíferos no Brasil, 
sendo o primeiro a registrar a presença de pinturas rupestres e a 
entrar em algumas das mais de 800 cavernas que explorou na região.

Para conhecer, na prática, importância do novo mapa, nada 

melhor do que visitar áreas de relevância para a paleontologia, 
que são objeto constante de pesquisas dos especialistas. Um bom 
exemplo é a Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa, 
unidade de conservação vinculada ao Instituto Chico Mendes 
(ICMBio), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que reúne, 
em 36,5 mil hectares, o Parque Estadual do Sumidouro, administrado 
pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), dono de um patrimônio 
natural, paisagístico, paleontológico, arqueológico e cultural sem limites. 
O local integra a Rota Lund, destino turístico que une o Museu de 
História Natural da PUC Minas, no Bairro Coração Eucarístico, 
Região Noroeste de BH, Parque do Sumidouro e grutas Rei do Mato, 
em Sete Lagoas, e Maquiné, em Cordisburgo, ambas na Região Central.

Tendo como guia o gerente do Parque do Sumidouro, Rogério 

Tavares, o EM conheceu algumas grutas da região, que fogem 
ao circuito turístico conhecido. Uma delas foi a Gruta do Baú, 
em propriedade particular, em Pedro Leopoldo, que guarda 
surpresas emocionantes e tem grande beleza cênica. 
Para chegar até lá, o clima é de aventura: mato alto, quase à cintura, 
nuvens de pernilongos, abelhas, umidade do solo, gotejamento e 
morcegos, felizmente sem nenhuma cobra à vista. Vale todo o esforço 
para encontrar, incrustado na parede de uma caverna, como 
joia preciosa de milhões de anos, o pequeno osso de um crânio, 
que, segundo Tavares, seria de um cervídeo.

É com satisfação que ele mostra o fóssil, para, em seguida, 

seguir para Gruta do Sumidouro, onde Lund encontrou 30 
esqueletos humanos associados a ossos da megafauna, 
levando à evidência sobre a convivência de humanos com 
animais de grande porte. O lugar, de calma e exuberância, 
tem trilhas e mostra que todo esse patrimônio natural, 
formado por água, rochas e vestígios históricos, precisa 
ser preservado a todo custo. A APA Cárstica foi destacada 
pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (Sigep), 
vinculado à Organização das Nações Unidas para Educação, 
Ciência e Cultura (Unesco), como uma unidade de importância mundial.

EXPOSIÇÃO Muitos fósseis de Minas foram destruídos e 

grande parte seguiu para o exterior. Ao lado da Gruta da 
Lapinha, em Lagoa Santa, o governo estadual constrói um 
receptivo turístico, que vai abrigar uma sala de exposição, 
na qual uma das estrelas será a mostra permanente de 70 
fósseis do Museu Zoológico de Copenhague, que serão 
cedidos pelo governo da Dinamarca em regime de comodato. 
Durante mais de quatro décadas em que viveu na região de 
Lagoa Santa, Lund enviou ao seu país uma coleção com 
12.622 peças, a maioria encontrada na Gruta Lapa Vermelha, 
em Lagoa Santa – destruída por uma empresa, na década de 
1970, que transformou o tesouro natural em sacos de cimento. 
O acordo para a transferência do material foi selado, em 2009, 
entre autoridades mineiras e dinamarquesas. 
“O Mapa Paleontológico vai permitir maior controle e 
proteção de todo esse acervo. Esperamos que, no futuro, 
ele seja mais detalhado, mostrando a particularidade de 
cada província paleontológica, para evitar furtos e 
intervenções indiscriminadas nesse patrimônio”, defende Tavares.
 No museu da PUC, exposição atrai 
atenção para fauna que já 
habitou território mineiro


Bússola do patrimônio


Fotos: Beto Novaes/EM/D.A Press
Castor Cartelle alerta 
para atividades que ameaçam
a integridade do acervo mineiro

A elaboração do Mapa Paleontológico de Minas Gerais encontra
boa ressonância entre autoridades do setor de licenciamento e
fiscalização, bem como entre estudiosos do tema e dirigentes de
instituições. O diretor do Centro de Pesquisas Paleontológicas L. I. Price e
Museu do Dinossauro de Uberaba, ligado à Universidade Federal
do Triângulo Mineiro (UFTM), Luiz Carlos Borges Ribeiro,
acredita no documento como ótima referência para cientistas e
leigos. “Os fósseis são estruturas muito frágeis. Essa parceria
do MPE e DNPM vai gerar um processo de conscientização
para se preservar o patrimônio”, diz. O museu, implantado em
1992 no Bairro de Peirópolis, na cidade do Triângulo Mineiro,
é reconhecido internacionalmente pelas suas pesquisas com
vertebrados que viveram no fim do período cretáceo
(entre 80 milhões e 65 milhões de anos) e muito procurado
por estudantes e turistas.
O superintendente do Ibama em Minas, Alisson José Coutinho,
também destaca a importância do uso do novo mapa para concessão
de licenciamentos ambientais e fiscalização. “Será uma ferramenta
de gestão fundamental para o nosso trabalho, pois traz orientação,
considerando os procedimentos de licenciamento, com vários níveis
de exigência. Sabia da existência de um levantamento espeleológico
(grutas e cavernas), e temos muitas informações sobre essa área, mas,
sobre fósseis, é a primeira vez”, afirma Alisson. Ele acredita que o
documento cartográfico será útil até para nortear implantação de
futuras unidades de conservação com o foco em paleontologia.


PREOCUPAÇÃO O Museu de Ciências Naturais da PUC Minas,
em BH é mais um cenário perfeito para se ver a importância de
Minas no mapa-múndi da palentologia. Conversando com jovens
estudantes, em visita à instituição ou atuando no laboratório, o
professor e pesquisador do museu Castor Cartelle – uma das maiores
autoridades no país em paleontologia – destaca os estragos causados a
esse patrimônio, ao longo dos anos, por atividades como a mineração e
construção de rodovias.


“Minas tem importância na paleontologia, e Uberaba está no mapa
mundial do setor desde a década de 1940, mas, 20 anos depois,
quando foi construída a estrada Uberaba-Uberlândia, ninguém
levou em consideração que ali era um sítio importante de dinossauros”,
exemplifica. Para ele, será fundamental que, no caso da construção de
uma barragem, para a qual se exige um laudo arqueológico, seja
necessário também um parecer paleontológico. Cartelle se preocupa
particularmente com o projeto do futuro Rodoanel, na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, cortando áreas de relevância.
E destaca como áreas importantes o Norte de Minas, de Manga a
Montes Claros; o trecho de Pains a Curvelo; o Vale do Rio das
Velhas (Lagoa Santa e Pedro Leopoldo); Ouro Preto e Triângulo Mineiro.


DIVERSÃO Engana-se quem pensa que a importância
do novo mapa se restringe a estudiosos e técnicos de
órgãos públicos. A atração que o tema paleontologia
desperta não apenas entre especialistas pode ser conferida
no museu da PUC, onde a garotada em férias vai da
aprendizagem à diversão, principalmente quando está
diante da réplica do maior dinossauro descoberto no Brasil
– o Uberabatitan riberoi –, herbívoro quadrúpede, de 3,5
metros de altura, filho ilustre do Triângulo Mineiro.


O estudante Arthur Henrique Carvalho Amendoeira,
de 10 anos, morador do Bairro Sagrada Família, na
Região Leste de BH, lembra que os fósseis, originais
ou réplicas, são muito importantes para “o conhecimento
da nossa história”. No espaço dedicado à Coleção Lund,
Maria Fernanda Maia Abreu, de 8, moradora do Gutierrez,
na Região Oeste, e Raphael Lindsay Mitraud Moreira, de 8,
do Bairro Canaã, na Norte, veem a beleza de cada peça
em exposição e pretendem voltar outras vezes.
Os adultos também se encantam, a exemplo do
administrador Rafael Campos das Dores, de 30, morador
do Bairro Minas Brasil, na Região Noroeste, que gostou de
tudo o que viu: “Museu é cultura e todos podem
aprender muito numa visita”.

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