Sugestão de Adriano Carvalho Estado tem seu primeiro mapeamento paleontológico, feito pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, com a localização de fósseis que remontam a até 1,6 milhão de anos. Gustavo Werneck Beto Novaes/EM/D.A Press Fora do circuito turístico mais explorado, a Gruta do Baú, em Lagoa Santa, chama a atenção pela exuberância de suas formações Um mapa que indica riquezas mais valiosas do que ouro, destinado à concessão de licenciamento ambiental, pesquisas, turismo e conhecimento da pré-história. Pela primeira vez, Minas tem um documento cartográfico com a localização do seu patrimônio paleontológico, elaborado, a pedido do Ministério Público Estadual (MPE), pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Amanhã, ele chega aos principais órgãos encarregados de fiscalizar e proteger o acervo composto de fósseis datados de 11 mil a 1,6 bilhão de anos. Conforme especialistas, o território mineiro guarda um precioso baú de ossos de animais, entre eles dinossauros e grandes mamíferos, com espaço ainda para vegetais, insetos, peixes e anfíbios de grande importância para a ciência. No entanto, devido à sua fragilidade, o tesouro está sob permanente ameaça da mineração, construção de rodovias, barragens e aeroportos, loteamentos e outros empreendimentos de alto impacto. Depredação começou com a corrida do ouro Não é de hoje que o patrimônio paleontológico de Minas sofre destruição e está ameaçado de desaparecer do mapa. A dilapidação começou ainda no século 18, na época da mineração, com os leitos dos rios revirados e extensos túneis cavados nas rochas em busca de ouro. Um caso ocorrido na histórica Prados, na Região do Campo das Vertentes, ilustra bem essa situação, diz o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico/MG (Cppc), Marcos Paulo de Souza Miranda, que, preocupado com a preservação dos fósseis, encomendou o inédito Mapa Paleontológico de Minas Gerais ao Departamento Nacional de Produção Mineiral (DNPM). Felipe Barbi Chaves, do DNPM, destaca pioneirismo Por volta de 1785, conta o promotor de Justiça, foi encontrado um esqueleto de “56 palmos de comprimento e 46 palmos de altura, ao pé do Arraial dos Prados”, numa lavra de ouro, sendo chamado para identificá-lo o sargento-mor Simão Pires Sardinha, considerado hábil naturalista e mineralogista, com estudos na Europa. “Ao arrancarem os ossos do buraco, com alavanca, o ambiente foi danificado. O pior é que os ossos foram enviados a Portugal, pelo governador da Capitania de Minas, Luís da Cunha Menezes, e não se teve mais notícia deles”, lamenta o promotor de Justiça. O tempo passou e as agressões aos fósseis incrustados em grutas e cavernas do estado não pararam mais. Marcos Paulo afirma que, recentemente, em Campina Verde, no Triângulo, um rebanho de vacas destruiu parcialmente um sítio paleontológico; na duplicação da BR-040, em Sete Lagoas, a 70 quilômetros da capital, as obras deixaram um rastro de destruição, fazendo desaparecer vestígios históricos. “Nosso objetivo é proteger essas áreas. Por isso, vamos encaminhar o documento aos órgãos encarregados do licenciamento e da preservação ambiental e cultural, entre eles o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram), Instituto Estadual de Florestas (IEF)/Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Instituto Chico Mendes, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG), vinculado à Secretaria de Estado da Cultura”, enumera. Pela Constituição Federal, os fósseis são considerados bens da União e integrantes do patrimônio cultural brasileiro, ressalta Marcos Paulo, certo de que o mapa representa “um primeiro esforço e um avanço” para mostrar todo o potencial mineiro, devendo, gradativamente, ser aprimorado com mais fontes de informação. “É um documento de referência, para ser consultado a fim de se evitar novos danos”, afirma o coordenador do Cppc. ESTADO NOTÁVEL O mapa foi elaborado, no ano passado, pela equipe da Divisão de Proteção de Depósitos Fossilíferos e Geoprocessamento do DNPM, chefiada pelo geólogo e especialista em recursos minerais Felipe Barbi Chaves, que trabalha em Brasília. “O Brasil tem ocorrências paleontológicas notáveis, e Minas, principalmente, é um estado rico e muito profícuo. O país está começando, agora, ações sistemáticas para proteção desse patrimônio”, diz o geólogo, destacando que é o primeiro mapa desse tipo elaborado pelo DNPM. O trabalho contou com informações das universidades federais de Minas Gerais (UFMG), de Uberlândia (UFU), do Triângulo Mineiro (UFTM) e do Rio de Janeiro (UFRJ), do banco de dados do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), além do próprio DNPM. “A ideia é muito boa e queremos estender o serviço para outros estados interessados”, afirmou. No documento, disponível em papel e em meio digital, autoridades e pesquisadores vão poder localizar os fósseis, caso de restos dos mastodontes, animais que se assemelhavam aos elefantes atuais, com tamanho e forma semelhantes; ossos de titanossaurídeos ou dinossauros herbívoros; do Uberabasuchus terrificus, nome científico de um crocodilomorfo; e mamíferos pleistocênicos, que viveram entre 30 mil e 11 mil anos. Quem pensa, no entanto, que fósseis são apenas ossos está “historicamente” enganado. Há também os troncos de coníferas (semelhantes aos pinheiros e araucárias), outros vegetais, insetos, peixes e anfíbios. Para facilitar a vida dos que trabalham na análise de projetos e fiscalização, o documento cartográfico lista os sítios de relevância, como Peirópolis, em Uberaba, local famoso pelos dinossauros, no Triângulo; as estruturas formadas por algas calcárias (estromatólitos colunares), em Lagamar, Noroeste de Minas; a região de Arco e Pains, no Centro-Oeste, e os vegetais fósseis na Bacia do Rio Fonseca, na Região Central. Destaque também para as áreas de potencial paleontológico e unidades geológicas, como o Grupo Bauru (grupo de rochas), do cretáceo superior (entre 100 milhões e 65 milhões de anos), com as formações Marília, Uberaba e Adamantina. Joias em cavernas da Grande BH
Paleontologia é a ciência que se ocupa dos fósseis e dos registros biológicos com mais de 11 mil anos, indo desde pegadas a fezes petrificadas, passando por ossos de animais, folhas e outros elementos. Para chegar aos dias de hoje, essas joias foram conservadas por meio de mumificação, congelamento, âmbar, lagos asfálticos e outros. Em Minas, há áreas de destaque, como o Triângulo, a terra dos dinossauros, Norte, Noroeste e Sul, além do Vale do Rio das Velhas, principalmente a região cárstica de Lagoa Santa, na Grande BH, onde o paleontólogo dinamarquês Peter W. Lund, conhecido como dr. Lund (1801-1880), viveu mais de 40 anos e, por suas pesquisas usadas até por Charles Darwin (1809-1882), autor da teoria da evolução das espécies, é considerado o “pai da paleontologia brasileira”. Até hoje, dr. Lund é a principal referência para estudiosos da paleontologia de mamíferos no Brasil, sendo o primeiro a registrar a presença de pinturas rupestres e a entrar em algumas das mais de 800 cavernas que explorou na região. Para conhecer, na prática, importância do novo mapa, nada melhor do que visitar áreas de relevância para a paleontologia, que são objeto constante de pesquisas dos especialistas. Um bom exemplo é a Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa, unidade de conservação vinculada ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que reúne, em 36,5 mil hectares, o Parque Estadual do Sumidouro, administrado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), dono de um patrimônio natural, paisagístico, paleontológico, arqueológico e cultural sem limites. O local integra a Rota Lund, destino turístico que une o Museu de História Natural da PUC Minas, no Bairro Coração Eucarístico, Região Noroeste de BH, Parque do Sumidouro e grutas Rei do Mato, em Sete Lagoas, e Maquiné, em Cordisburgo, ambas na Região Central. Tendo como guia o gerente do Parque do Sumidouro, Rogério Tavares, o EM conheceu algumas grutas da região, que fogem ao circuito turístico conhecido. Uma delas foi a Gruta do Baú, em propriedade particular, em Pedro Leopoldo, que guarda surpresas emocionantes e tem grande beleza cênica. Para chegar até lá, o clima é de aventura: mato alto, quase à cintura, nuvens de pernilongos, abelhas, umidade do solo, gotejamento e morcegos, felizmente sem nenhuma cobra à vista. Vale todo o esforço para encontrar, incrustado na parede de uma caverna, como joia preciosa de milhões de anos, o pequeno osso de um crânio, que, segundo Tavares, seria de um cervídeo. É com satisfação que ele mostra o fóssil, para, em seguida, seguir para Gruta do Sumidouro, onde Lund encontrou 30 esqueletos humanos associados a ossos da megafauna, levando à evidência sobre a convivência de humanos com animais de grande porte. O lugar, de calma e exuberância, tem trilhas e mostra que todo esse patrimônio natural, formado por água, rochas e vestígios históricos, precisa ser preservado a todo custo. A APA Cárstica foi destacada pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (Sigep), vinculado à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), como uma unidade de importância mundial. EXPOSIÇÃO Muitos fósseis de Minas foram destruídos e grande parte seguiu para o exterior. Ao lado da Gruta da Lapinha, em Lagoa Santa, o governo estadual constrói um receptivo turístico, que vai abrigar uma sala de exposição, na qual uma das estrelas será a mostra permanente de 70 fósseis do Museu Zoológico de Copenhague, que serão cedidos pelo governo da Dinamarca em regime de comodato. Durante mais de quatro décadas em que viveu na região de Lagoa Santa, Lund enviou ao seu país uma coleção com 12.622 peças, a maioria encontrada na Gruta Lapa Vermelha, em Lagoa Santa – destruída por uma empresa, na década de 1970, que transformou o tesouro natural em sacos de cimento. O acordo para a transferência do material foi selado, em 2009, entre autoridades mineiras e dinamarquesas. “O Mapa Paleontológico vai permitir maior controle e proteção de todo esse acervo. Esperamos que, no futuro, ele seja mais detalhado, mostrando a particularidade de cada província paleontológica, para evitar furtos e intervenções indiscriminadas nesse patrimônio”, defende Tavares.
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Fotos: Beto Novaes/EM/D.A Press |
Castor Cartelle alerta para atividades que ameaçam a integridade do acervo mineiro |
A elaboração do Mapa Paleontológico de Minas Gerais encontra
boa ressonância entre autoridades do setor de licenciamento e
fiscalização, bem como entre estudiosos do tema e dirigentes de
instituições. O diretor do Centro de Pesquisas Paleontológicas L. I. Price e
Museu do Dinossauro de Uberaba, ligado à Universidade Federal
do Triângulo Mineiro (UFTM), Luiz Carlos Borges Ribeiro,
acredita no documento como ótima referência para cientistas e
leigos. “Os fósseis são estruturas muito frágeis. Essa parceria
do MPE e DNPM vai gerar um processo de conscientização
para se preservar o patrimônio”, diz. O museu, implantado em
1992 no Bairro de Peirópolis, na cidade do Triângulo Mineiro,
é reconhecido internacionalmente pelas suas pesquisas com
vertebrados que viveram no fim do período cretáceo
(entre 80 milhões e 65 milhões de anos) e muito procurado
por estudantes e turistas.
O superintendente do Ibama em Minas, Alisson José Coutinho,
também destaca a importância do uso do novo mapa para concessão
de licenciamentos ambientais e fiscalização. “Será uma ferramenta
de gestão fundamental para o nosso trabalho, pois traz orientação,
considerando os procedimentos de licenciamento, com vários níveis
de exigência. Sabia da existência de um levantamento espeleológico
(grutas e cavernas), e temos muitas informações sobre essa área, mas,
sobre fósseis, é a primeira vez”, afirma Alisson. Ele acredita que o
documento cartográfico será útil até para nortear implantação de
futuras unidades de conservação com o foco em paleontologia.
PREOCUPAÇÃO O Museu de Ciências Naturais da PUC Minas,
em BH é mais um cenário perfeito para se ver a importância de
Minas no mapa-múndi da palentologia. Conversando com jovens
estudantes, em visita à instituição ou atuando no laboratório, o
professor e pesquisador do museu Castor Cartelle – uma das maiores
autoridades no país em paleontologia – destaca os estragos causados a
esse patrimônio, ao longo dos anos, por atividades como a mineração e
construção de rodovias.
“Minas tem importância na paleontologia, e Uberaba está no mapa
mundial do setor desde a década de 1940, mas, 20 anos depois,
quando foi construída a estrada Uberaba-Uberlândia, ninguém
levou em consideração que ali era um sítio importante de dinossauros”,
exemplifica. Para ele, será fundamental que, no caso da construção de
uma barragem, para a qual se exige um laudo arqueológico, seja
necessário também um parecer paleontológico. Cartelle se preocupa
particularmente com o projeto do futuro Rodoanel, na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, cortando áreas de relevância.
E destaca como áreas importantes o Norte de Minas, de Manga a
Montes Claros; o trecho de Pains a Curvelo; o Vale do Rio das
Velhas (Lagoa Santa e Pedro Leopoldo); Ouro Preto e Triângulo Mineiro.
DIVERSÃO Engana-se quem pensa que a importância
do novo mapa se restringe a estudiosos e técnicos de
órgãos públicos. A atração que o tema paleontologia
desperta não apenas entre especialistas pode ser conferida
no museu da PUC, onde a garotada em férias vai da
aprendizagem à diversão, principalmente quando está
diante da réplica do maior dinossauro descoberto no Brasil
– o Uberabatitan riberoi –, herbívoro quadrúpede, de 3,5
metros de altura, filho ilustre do Triângulo Mineiro.
O estudante Arthur Henrique Carvalho Amendoeira,
de 10 anos, morador do Bairro Sagrada Família, na
Região Leste de BH, lembra que os fósseis, originais
ou réplicas, são muito importantes para “o conhecimento
da nossa história”. No espaço dedicado à Coleção Lund,
Maria Fernanda Maia Abreu, de 8, moradora do Gutierrez,
na Região Oeste, e Raphael Lindsay Mitraud Moreira, de 8,
do Bairro Canaã, na Norte, veem a beleza de cada peça
em exposição e pretendem voltar outras vezes.
Os adultos também se encantam, a exemplo do
administrador Rafael Campos das Dores, de 30, morador
do Bairro Minas Brasil, na Região Noroeste, que gostou de
tudo o que viu: “Museu é cultura e todos podem
aprender muito numa visita”.
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